quinta-feira, 3 de julho de 2014

Noite...

Ela só quer que o whisky esquente
E que todas as lágrimas cessem
Diluídas em sal e saliva
Num alvorecer prematuro e inconcebível

Dane-se o vinho
As coisas bonitas
Os animais

Enquanto a madrugada avança
Lenta
Todos se enganam e desenganam
Cheios de soberba e confusão

Enquanto o sol não vem
E a luz não se abre
Zelo por seu sono em prece
Não vejo forma mais pura e sublime de afeto



*Anderson Estevan é jornalista, roteirista e escritor, autor do livro de poemas "Cores primárias".

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O jogo


Ainda me lembro do seu vestido
Curto, colado,
Uma extensão do seu corpo

Movia-se como se estivesse nua
E também agia dessa maneira
Esgueirando-se pelos feixes de luz

Amarelos
Azuis
Verdes

Já passou da hora dos sussurros
E dos olhares sem direção...
Pura bobagem

Se já não há beijos apaixonados,
Corpos entrelaçados,
A culpa é da noite que arde como o inferno

Acendo um cigarro
Olho o horizonte
E tudo volta para o início do jogo

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A crônica do domingo nublado



Num domingo nublado, a fé embala o sol entre as nuvens e cinzas.

 A fumaça do cigarro sobe lentamente e a fuligem flutua no caminho do velho cinzeiro de madeira.

Os acordes soltos do velho violão, a música que nunca chega ao fim e o livro que você nunca consegue escrever...

Entre os dias e as noites, o claro e o escuro, os minutos e os séculos, está um pouco de vida, um pouco de boa sorte e um pouco sol, mesmo na tarde nublada, na noite estrelada e na vida desenfreada...

As velhas idéias e os novos ideais. Plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro, compor uma canção. Seria melhor adiar o inevitável?

Acho que é por isso que acordamos nas manhãs de domingo, chuvoso ou ensolarado. É por isso que estamos aqui neste domingo nublado.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Música


Danço ao passo lento, tímido
como sempre costumo fazer
Sigo só, eu e meu compasso
mesmo que desajeitado,
sem nada a dizer

Seguem-se tangos amorosos,
sambas que nos envolvem
marchinhas velhas, saudosas
e na tua indiferença,
as letras se dissolvem

Vou perdendo a razão
estrago todas as rimas
sujo sem dó cada estrofe
e acabo com toda a melodia

Nossas músicas são inversas
sem harmonia, união
o seu jazz americano
destrói o samba do meu coração

Aumento o som, esbravejo, grito
somo um terceiro refrão
Mesmo assim tu não me olhas,
pois já está em outra canção

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ao Viajante


Divido-me em pedaços
esfarelados em fragmentos perdidos
recolho o viver estilhaçado
sobram-me alguns velhos resquícios

Queira Deus e um dia ainda espero
pintar o céu de vermelho ou amarelo
criar vida em tacho de marmelo
ruir muros, mover castelos

Reflito por um breve momento

Logo tudo pode ter sido em vão
olhos fechados, joelhos dobrados
Uma prece, uma oração
Sangram-me os olhos, ouço a razão

Grito, insulto e mordo. Haverá uma opção

Um pouco de vida um pouco de morte
segue o caminho, ruma para o norte

Desde que cheguei aqui
enfrento este dilema profundo:
A cada instante mais longe da vida
e na mesma medida perto de virar defunto



É fato, é fio, é pavio
(Aceso ou no escuro)

É mudança, infância, fiança
(Sua cabeça aberta e cheia de esperança)

É o caminho, colírio, canastra
(Joga tudo que tiver em aposta máxima)

É o feijão, o arroz, a saliva
(Pois somente se pisa nesse chão uma vez na vida)

Até logo, vou-me embora
sigo aquela estrada estreita
Que o caos lhe acompanhe
e que mantenha a mente sempre acesa

terça-feira, 21 de maio de 2013

Ratos



Escrevo este poema aos ratos!
Aqueles que reviram as latas de lixo
e apavoram as donas de casa
com um simples sorriso

Estes versos também servem para os canalhas
roedores fardados, uniformizados, etiquetados
Metamorfoseando-se diariamente na sujeira
e transformando-se em ratos

Dedico também aos miseráveis,
amontoados e irracionais,
brigando por comida numa montanha de lixo
logo, tornam-se ratos

Mas este poema é essencialmente
dedicado a aqueles que se despem
e encaram o mundo como animais,
livres, assim como o dia vindouro

Como ratos